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quinta-feira, 12 de junho de 2014

Empatia é bom e todo mundo gosta!

É recomendável que o bom marido, ocasionalmente, quando julgue necessário, dê pequenas surras em sua esposa. O intuito dessa medida é corrigir a conduta da mulher e garantir que a sociedade, futuramente, não venha a sofrer com comportamentos inadequados. Claro que não se trata de espanca-la, deixando-lhe marcas ou hematomas. Estamos falando de uma surra educativa: só alguns tapinhas e nada mais. Esse tipo de atitude só pode beneficiar a própria mulher, pois mesmo que sendo-lhe doloroso esse tipo de correção, ela, no futuro, só poderá agradecer ao seu esposo por ter-lhe mostrado o que é certo e errado.



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Olá, prezado leitor, o que você achou do texto acima? É de minha autoria. Vc concorda com ele? Parece-lhe coerente esse tipo de discurso em pleno século XXI? Mais do que isso: esse é um discurso socialmente aceitável? Então, te convido a fazer o seguinte exercício: vamos trocar as palavras destacadas, onde está escrito MARIDO ou ESPOSO, colocamos PAI ou MÃE, onde está escrito ESPOSA ou MULHER, colocamos CRIANÇA ou FILHO. Vamos reler o trecho: 

É recomendável que o bom pai, ocasionalmente, quando julgue necessário, dê pequenas surras em seu filho. O intuito dessa medida é corrigir a conduta da criança e garantir que a sociedade, futuramente, não venha a sofrer com comportamentos inadequados. Claro que não se trata de espanca-la, deixando-lhe marcas ou hematomas. Estamos falando de uma surra educativa: só alguns tapinhas e nada mais. Esse tipo de atitude só pode beneficiar a própria criança, pois mesmo que sendo-lhe doloroso esse tipo de correção, ela, no futuro, só poderá agradecer a seu pai e sua mãe por ter-lhe mostrado o que é certo e errado.

Pareceu mais coerente agora? Mas, mulher e criança não são seres humanos iguais, portanto, não deveriam merecer o mesmo respeito? Mais do que isso: a mulher já é adulta e tem condições muito maiores para se defender por suas próprias mãos, então, porque causa mais espanto o primeiro texto do que o segundo?

Pois é... já faz alguns dias que estou escrevendo esse texto de tanto ouvir e ler coisas sobre a lei da palmada, mas como o tempo é curto, vou escrevendo como dá. Dois fatos, principalmente, me motivaram a princípio: uma entrevista com a colunista Rosely Sayão e uma reportagem do fantástico sobre a lei da palmada.

Na entrevista, a Rosely fala sobre a ineficácia da palmada na educação de uma criança e que uma das únicas coisas que ela promove é a humilhação da criança (até aí super concordei com ela). Mas, depois ela critica a lei da palmada porque diz que o governo deve respeitar a privacidade das famílias e que o modo como os pais decidem educar seus filhos é uma questão muito particular. Aí pirei... como assim??? Veja não estamos falando sobre a decisão familiar de onde passar as férias (isso é particular e privado), estamos falando sobre a integridade física de uma pessoa. Afinal, a criança é uma pessoa, não é? Se assim for, não precisa de lei Maria da Penha, pois se o marido quiser bater na mulher, o governo não deve interferir, já que essa seria uma questão de privacidade... sem comentários, né...

Sobre a reportagem do fantástico, gostei muito. Eles falaram rapidamente sobre a disciplina positiva que, segundo a reportagem, tem 3 regras básicas: 
1) Contar até dez, ou seja, ter paciência e autocontrole;
2) Elogiar o que a criança faz de bom;
3) Dar responsabilidades às crianças, envolvendo-as nas decisões familiares.

Bom, antes de mais nada, quero dizer que a sou a favor da lei da palmada, pois ela representa uma ferramenta na proteção da criança contra a violência. Isso não significa que as crianças nunca mais vão apanhar, assim como ainda há mulheres que são agredidas (de diferentes formas) apesar da lei Maria da Penha. Basicamente, o bom da lei é que se abre espaço para o debate e, assim, as pessoas começam a escutar outros pontos de vista que são diferentes daqueles que já estão acostumados a ouvir. É somente através da informação e do conhecimento que será possível mudar a mentalidade de muitas pessoas que associam educação com palmada-violência.

Primeiro, seria interessante pensar nos motivos que levam um pai a levantar a mão para seu filho. A sociedade, em geral, grita em alto e bom tom que a palmada tem um caráter educativo e corretivo, que uma criança mal criada merece e, inclusive, pede para apanhar. Sendo assim, o primeiro motivo que se dá para bater em uma criança é o seguinte: "eu estou educando meu filho". Outro motivo recorrente é o seguinte: "ele precisa aprender a me obedecer". Eu concordo com os dois argumentos, mas discordo de que a palmada seja um método eficaz para consegui-los.

Reflita comigo: em relação ao primeiro argumento, para você, o que é ser educado? É dizer por favor e muito obrigado, é tirar o prato da mesa, é obedecer a todos sem contestar ninguém? Educação, para mim, é muito mais do que isso, educação tem raízes profundas na EMPATIA, conhece essa palavra? Trata-se da capacidade de colocar-se no lugar do outro. Se vc tem essa habilidade, com certeza, vc é educado. Dessa forma, educação tem muito mais a ver com RESPEITO ao próximo do que com qualquer outra coisa. Agora, sinceramente, vc acredita, de verdade, que dando tapinhas na bunda, vc estará dando instrumentos adequados para que a criança se torne um adulto capaz de se colocar no lugar dos outros? De agir com os outros de maneira RESPEITOSA??? Me parece muito difícil que o uso da força física ajude a criança a entender o quanto é importante respeitar o próximo. Me parece muito mais que estamos passando a seguinte mensagem: me obedeça porque eu sou maior e mais forte do que vc e, por isso, posso te bater. Nessa lógica, a criança vai crescer e adivinhe: 1) vai aprender que quando quer alguma coisa, precisa partir pra violência para conseguir ou 2) já que sempre apanhou de quem mais ama, a criança pode se tornar um adulto que vai sempre apanhar dos outros (não só fisicamente, há outras formas de agressão também) por entender que esse tipo de vida é o normal ... isso é educação?

Aí vc me diz: bem, mas o meu filho precisa me obedecer. Concordo plenamente. Somos pais, somos adultos e sabemos o que é melhor para uma criança e para um adolescente. Precisamos impor limites. Se eu deixar minha filha de um ano e meio fazer tudo que ela quiser, ela se atira pela janela, põe o dedo na tomada, brinca com facas e tesouras. Ou se um pai deixar um adolescente fazer o que bem entender, ele pode dirigir um carro e matar alguém (entre outras coisas). Mas, pensemos, será que a surra é o melhor caminho para que os seus filhos sejam obedientes. Buscar obediência através de violência é o caminho mais fácil e o mais cômodo para os pais, mas é o mais humilhante e o mais revoltante para os filhos. Afinal, vc quer filhos obedientes ou confiáveis

Na prática: A Alice tem um ano e meio e agora tem mania de subir nas cadeiras, passo o dia tirando ela de cima da cadeira e dizendo que é perigoso, eu poderia dar um tapa nela e deixá-la com medo, mas porque vou fazer isso? O motivo pelo qual ela sobe na cadeira não tem a ver com desobediência ou falta de educação, tem a ver com a sua idade: ela é curiosa e quer explorar tudo, se eu simplesmente a proibir através da surra, estarei cerceando sua necessidade natural de explorar o mundo que a rodeia. Então, o que devo fazer? Deixar ela subir na cadeira e, qualquer hora, se quebrar toda? Claro que não. Eu preciso deixar a casa segura para ela, como não posso tirar todas as cadeiras do seu alcance, tenho que estar de olho o tempo todo dizendo não e ensinando que aquilo é perigoso. Ai, mas isso é tão trabalhoso... sem dúvida, tem dias que preciso contar até cinquenta, mas, já que EU QUIS ter um filho, eu preciso assumir todas as dificuldades que possam existir, afinal de contas, essa foi uma decisão MINHA!!!!

Nessa história toda, veja que ser pai/mãe tem muito mais a ver com falar, escutar, refletir, explicar, acolher, amar do que com bater. A surra cumpre seu papel na medida em que tranquiliza a consciência dos pais e os deixa com a sensação de dever cumprido. Afinal, quem nunca ouviu o argumento de que os filhos que não apanharam em casa tendem a apanhar da polícia? Segundo essa lógica, quem está na cadeia nunca levou uma surra (será????).

Por último, vamos falar do argumento que sempre é levantado: pois eu apanhei da minha mãe e, hoje, sou feliz, não tenho problemas e tenho muita educação. Pois é, sem querer ofender a mãe de ninguém, mas todos cometemos erros, e vc vai repetir os mesmos erros que fizeram com vc? Cadê o discurso de "não deixarei que meu filho passe pelas mesmas coisas ruins pelas quais passei", desde quando a lembrança de uma surra é algo bom? Vc, por acaso, se lembra daqueles domingos agradáveis, nos quais apanhava o dia todo? Eram ótimas lembranças: meu pai com o cinto na mão e minha mãe me ameaçando a todo o momento. Como era agradável... aprendi tanto com aquilo... Me desculpe, mas o que uma criança aprende com esse clima de medo, apreensão e de dor? Existem outras maneiras de se ensinar...

Veja, minha filha tem só um ano e meio, posso não saber nada de nada e pode ser que alguém me diga que não tenho experiência suficiente para falar sobre o assunto. Mas, como mãe recente, que passa O DIA TODO EM CASA trocando fralda e cuidando de uma criança, posso garantir que uma coisa é essencial nessa história toda: ter paciência. Isso porque quando um pai ou uma mãe bate no filho, não o faz porque a criança extrapolou o limite ou porque ela "mereceu" apanhar. Não A surra vem em decorrência do descontrole do adulto. A criança faz algo que é considerado indevido, o adulto se descontrola, fica com raiva, precisa descontar e bate na criança. 

Uma das lembranças mais fortes que eu tenho da minha mãe não se refere às surras, mas sim às conversas/brigas que tínhamos. Minha mãe sempre foi muito incisiva e sempre me explicava os motivos de tudo e, muitas vezes, eu a via como uma chata sem tamanho, mas hoje, percebo como ela impunha limites sem precisar me bater. No lugar de me bater, ela falava, falava, falava e falava... me explicava a mesma coisa quantas vezes fosse preciso. Acredito que o processo de impor limites passe, inevitavelmente, por isso: FALAR, FALAR e FALAR. Para mim, ser mãe é extremamente difícil, além do desgaste físico, tem uma série de questões emocionais com as quais vc precisa aprender a lidar: decidir rapidamente, saber dizer não, lidar com birras, SER MADURA O SUFICIENTE PARA LIDAR COM A FRUSTRAÇÃO DO PRÓPRIO FILHO (vc precisa ajudá-lo a entender que nem tdo é possível).  Um dia eu disse para minha mãe que a odiava porque ela não me deixou sair, hoje, eu lembro disso e penso em como ela deve ter se sentido, hoje eu sei que ouvir isso de um filho deve ser péssimo. Mas, mesmo assim, ela manteve sua postura e não me deixou sair, nem me bateu pela minha grosseria. 

A maternidade, quando levada a sério, te faz encontrar-se com o seu eu mais profundo (medos, angustias, incertezas - recomendo a leitura do livro "A maternidade e o encontro com a própria sombra"). Então, não dá para repetir os modelos que já conhecemos e continuar acreditando que a surra que damos nos filhos é educativa e faz bem aos pequenos, pelo contrário, ela causa humilhação e problemas no desenvolvimento emocional deste ser humano. São questões muito sérias, que merecem a sua atenção como pai e mãe. Precisamos refletir sobre isso, ler, buscar informações, conhecer outras visões, no lugar de continuar com o eterno ciclo de violência: apanhei, estou bem e é assim que se educam as crianças.

Para fechar, indico a leitura do livro "Bésame Mucho" (tenho cópia traduzida em PDF, se alguém se interessar, é só me pedir) e também deixo como reflexão um pequeno trecho do livro "Cuidado, Afeto e Limites": 

"A autoestima é um sentimento que se forma quando a criança, sentindo-se desejada e cuidada, passa ela mesma a desejar ficar bem e se cuidar." 

Em outras palavras: criança não precisa só de cuidado, mas precisa SENTIR-SE cuidada. Por tudo isso, não bata no seu filho, antes disso, tente acalma-lo, ouvir seus motivos, faça com que ele se sinta acolhido e amado, brinque com ele no lugar de lhe dar brinquedos simplesmente. Trate quem vc ama da mesma forma como vc quer ser tratado, isso é EMPATIA!!!!

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